O que é beleza?

O que é beleza?
beleza através dos tempos

sábado, 11 de julho de 2009

a partir da pesquisa... começando capítulos do trabalho acadêmico

“ Meu corpo não é meu corpo É ilusão de outro ser. “
Carlos Drumond de Andrade.
2- CULTO AO CORPO FEMININO: “ÚNICO” X “DIVERSO”

2.1- Culto aos corpos e suas respectivas analogias

A concepção de corpo na contemporaneidade foi transformada, assim como o seu papel na construção da subjetividade, necessita-se analisar como a beleza é idealizada atualmente e como as mulheres são ou não seduzidas pelos arquétipos atuais de corpo, beleza e saúde.

No contexto, destaca-se a temática do culto ao corpo feminino nos tempos atuais no Brasil sob novos ângulos, confrontando duas possibilidades de se cultuar o corpo, ambas chamadas de culto, por serem formas de veneração e adoração para com o corpo. Estes dois tipos de culto ao corpo foram denominados: “único” e “diverso”, denominações estas originais, criadas a partir de pesquisas realizadas.

Estas pesquisas foram feitas, através do livro Moda e Linguagem da brasileira, mestre em comunicação e semiótica Káthia Castilho, que propõe uma discussão sobre a reconstrução do corpo através da moda, daí surge uma idéia de redesenhar o corpo feminino através do traje, e por assim dizer, através da própria moda. Então, surge o conceito do culto ao corpo “diverso”, ao se utilizar da moda para cultuar o corpo.

Outras pesquisas foram realizadas a partir do livro Adeus ao corpo do antropólogo Francês David Le Breton, que em alguns capítulos fala a respeito de como o corpo atualmente é elemento do próprio self e de como a interioridade de cada um é visto como constante esforço de exterioridade, ou seja, nas palavras do autor (LE BRETON.2008. p 29): “ É Preciso se colocar fora de si para se tornar si mesmo”, daí surge o conceito de culto ao corpo “único”, o corpo se moldando plasticamente de acordo com a vontade de seu próprio dono.
Sendo assim, a dicotomia apresentada defende duas maneiras possíveis de se cultuar o corpo. A primeira delas chamada de única desvenda à mulher dona do próprio corpo que se sente a vontade por poder se moldar como que lhe for conveniente.

O perigo do culto ao corpo “único” está em quando essas metamorfoses têm como principal objetivo a tentativa de alcançar o padrão vigente de beleza, o corpo pronto da mídia; ou quando essas mudanças são doentias e excessivas; dando um caráter patológico a estas modificações corporais, ou seja, a mulher se torna corpólatra, palavra esta originada de corpolatria, que segundo Codo e Senne (1985.p.12). É mais que cultuar o corpo é torná-lo uma religião, em suas palavras:


Arquiteta-se uma cosmovisão a partir do próprio umbigo, o corpo e as práticas que visam reconhecê-lo se transformam em panacéia para todos os males, novo elixir capaz de inventar a felicidade. Paralelamente, com a necessária reintegração do corpo, com a urgente revalorização do prazer se estrutura um verdadeiro culto ao corpo, em tudo análogo a qualquer religião, dogmática e idólatra como soem ser as religiões em uma palavra, assistimos hoje ao surgimento de um novo universo mágico: A corpolatria.


A corpolatria não é meramente um culto, nas próprias palavras do autor , ele enfatiza :que é um verdadeiro culto, pois ultrapassa os limites de apenas ser uma veneração.O autor faz uma analogia entre corpolatria e uma verdadeira religião, que precisa ter: dogmas,milagres, penitências, templos e adeptos para existir de fato.

E a estes milagres da cirurgia plástica, do botox, de redutores de apetite; a estas penitências: dor, sacrifício e danos; aos milhares de templos: academias, clínicas e finalmente aos dogmas de amar a si mesmo sob todas as coisas, de ninguém ir ao homem senão pelo seu corpo, dentre outros (Codo; Senne. 1985; p.13), Vários se tornam adeptos, principalmente as mulheres que pretendem alcançar a juventude eterna e todas as outras características do padrão vigente através da corpolatria.

Ao encontrar encalço para estes processos, as mulheres que se utilizam destes meios para cultuar o corpo, se tornam viciadas ou se tratando dessa chamada religião, fanáticas por suas aparências similares às mulheres magras, secas e saradas, dentro do padrão de beleza. De acordo com as pesquisas da psicóloga Rachel Moreno em seu livro Beleza Impossível (2008 p. 49) este arquétipo de beleza é um padrão fora do comum para mulheres brasileiras que costumam ser morenas e ter quadris largos, ou seja, é um padrão absolutamente europeu, além de ser magra e alta a mulher tem que ter cabelos lisos e claros, traços finos, pele clara e ser jovem.

E dentro desse modelo, algumas mulheres brasileiras são levadas a viver, tanto pela lógica do consumo, quanto pela lógica da mídia e da moda. E falando nesta última, inicia-se aqui uma primeira analogia entre esse culto ao corpo “único”, ou seja, o culto ao corpo pronto que a mídia oferece; e a moda comercial que exerce grande fascínio nas mulheres que querem exibir estes corpos e não redesenhá-los em um processo criativo e inovador.

A Primeira marca analisada foi a Vide Bula, que está há 22 anos no concorrido mercado de jeanswear e é considerada uma das marcas mais famosas, ao traduzir as atitudes jovens no mercado da moda.

A marca Vide Bula, cujos irmãos Roberta Navarro e Giácomo Lombardi são os principais estilistas é um exemplo de uma marca voltada para um público alvo que almeja o padrão de beleza vigente A Vide Bula nasceu da parceria destes irmãos, com o marido de Roberta Navarro e mais tarde com a parceria de Adriana Rios, mulher de Giácomo. A Vide Bula a princípio tinha certa criatividade, um espírito de inovação nas primeiras coleções as quais foram feitas estampas inspiradas em grandes filmes americanos dos anos 50 e pouco a pouco, as criações foram ganhando motivos irônicos e polêmicos, como as calças com desenhos de espermatozóides.

Porém, mais tarde, ela foi se tornando mais uma marca comercial no mercado que se importava precisamente em vender as roupas e ter lucro. Com modelos sempre joviais marcando ou exibindo os corpos, a Vide Bula, demonstrava ano após ano uma certa decadência em termos de criatividade e inovação. Calças baixas que apertavam e marcavam uma “segunda” cintura, fizeram quase um papel de prótese externa, colaborando na deformação do corpo feminino e cada vez mais se tornaram comuns. Elementos repetitivos de ano em ano eram desfilados e vendidos em lojas, não havia novidade. As mudanças eram poucas, quando muitas variavam as cores, mas nunca os shapes e os modelos, que sempre giravam em torno de calças baixas, mini saias, blusinhas e macacões.

Esta marca comercial que visa apenas lucro serve de complemento ao cultuar o corpo único. Quando uma mulher está disposta a investir neste tipo de culto ao corpo, ela precisa de roupas que se encaixem perfeitamente no seu corpo e exiba de fato todo o trabalho de transformação pelo qual ela passou. Toda recompensa é justamente exibir todo o seu gasto, empenho e investimento neste corpo que não é originário dela, pois foi cópia de outro corpo ou fruto de sua imaginação. Mas como ela o refez e pretende exibi-lo como prêmio e conquista adquirida é o corpo que ela comprou e cultuou de tal forma que ele não é mais seu corpo original, é um corpo remontado por ela com interferências externas.

Em seu livro A sociedade do consumo, Baudrillard resumiu em poucas palavras a importância do corpo para a sociedade atual:



Na panóplia do consumo, o mais belo, precioso e resplandecente de todos os objetos – ainda mais carregado de conotações que o automóvel que, no entanto, os resume a todos é o CORPO. A sua “redescoberta”, após um milênio de puritanismo, sob o signo da libertação física e sexual, a sua onipresença (em especial do corpo feminino...) na publicidade, na moda e na cultura das massas – o culto higiênico, dietético e terapêutico com que se rodeia, a obsessão pela juventude, elegância, virilidade/ feminilidade, cuidados, regimes, práticas sacrificais que com ele se conectam, o mito do prazer que o circunda – tudo hoje testemunha que o corpo se tornou objeto de salvação. Substitui literalmente a alma, nesta função moral e ideológica. (BAUBRILLARD, 2005, p. 136).



Essa tamanha importância adquirida nos dias atuais, vem de uma premissa simples que diz que a imagem ganhou de fato um predomínio sobre as palavras. Ao analisar o contexto em que essa questão da imagem corporal e física em geral surge no imaginário da mulher, percebe-se que todo incentivo de cultuar o corpo desta maneira pronta vem da mídia. Esmera-se pelo corpo dito saudável, enfatiza-se o bem-estar e a felicidade, acima de qualquer modelo estereotipado, e tudo isso invade a casa, a mente, o corpo das mulheres que cultuam ou pretendem cultuar esse padrão.

O valor desejável é a conquista de um corpo magro que é aliado erroneamente ao conceito de saúde e beleza; enfim, os veículos de comunicação pretendem mostrar que seu papel é importante e continuam fazendo essa associação: imagens de corpos magros, a pessoas bonitas, saudáveis, bem sucedidas e como resultado tem-se um mercado de moda, dentre outros produtos voltados para este tipo de consumidor, que aceita e compra este ‘conceito’ pronto da mídia.

Em contrapartida, a este culto ao corpo “único” e suas interfaces mencionadas, existe o culto ao corpo “diverso”, culto este, que pretende alavancar o mercado da moda criativa e alternativa como meio de cultuar e adorar o corpo original de cada mulher.

A formação do corpo feminino brasileiro vem de um longo processo sócio-cultural e histórico que não é foco do trabalho, mas que deu origem a uma raça de misturas étnicas variadas. As mulheres brasileiras em sua maioria são morenas de cabelos e olhos escuros, quadris largos, são mulheres de formas e popularmente são chamadas de mulheres corpulentas.

Este corpo original e “natural” por um lado é considerado indesejado, mas por outro lado existe uma minoria que aceita seu próprio corpo e apesar de sofrerem com a exclusão por justamente serem minoria, buscam maneiras alternativas de cultuarem seus corpos.

Uma dessas maneiras se dá através da moda. Muitos estilistas alternativos buscam maneiras de embelezarem as mulheres através da roupa. De acordo com o livro Moda e Linguagem de Káthia Castilho (p.122.2006): “As linhas que compõem a estrutura plástica do corpo podem ser renegadas pela construção do traje que , parcial ou completamente, objetivando instaurar um discurso que amplie e diferencie a anatomia humana, propõe uma alteração ou ostentação da forma do corpo como categoria do revelar/não revelar a estrutura corpórea subjacente à plástica da moda.”

Quando Castilho (2006) propõe essa discussão, ela parece estar utilizando da plástica da roupa para reinventar o corpo de maneira a fazê-lo sobressair ou não, mas tendo como principal objetivo mostrar que é possível esta reconstrução, sem modificar de fato o corpo, mas reinventando-o através do traje, criando assim novos formatos.

No entendimento da linguagem corporal, ao que parece, a mulher que não está inserida no padrão vigente e nem pretende estar, pode se adornar e se embelezar de maneiras múltiplas ao se utilizar da moda, através de estilistas criativos e alternativos para se sentir bem e não se sentir relativamente ‘excluídas’ do mercado; afinal, se existe o mercado é por que não existe exclusão.

Pode ser que este mercado ainda seja tão grande ou provedor de muitas empresas e que este corpo original de cada uma, não seja tão bem aceito pela maioria tanto quanto o corpo pronto oferecido pela mídia; mas é possível que estilistas lancem no mercado tantas novidades em shapes, estampas e modelos de forma geral, que o mercado possa acabar se expandindo e alcançando mais pessoas.

Enquanto isso não acontece, pode-se ter como exemplos e parâmetros para tal proposta, estilistas como Ronaldo Fraga, Nilo Villaventura, Esther Bauman, dentre outros pesquisados. Como principal exemplo, sem dúvida nenhuma, recorre-se a Ronaldo Fraga, por sua expressividade não só com a roupa, mas também com o corpo em diversas coleções. Sua linguagem é diversificada e a cada coleção mudanças ocorrem e novas expectativas vão sendo criadas pelos seus espectadores e clientes.

Em sua coleção “Giz” de outono/inverno realizada em 2009, o suporte para as roupas foi de novo alterado. Ao invés de modelos convencionais, foram colocados na passarela senhores e senhoras idosas e crianças para desfilar. Os shapes desta coleção, de acordo com Ronaldo, foram como o corpo pede, ou seja, as roupas foram feitas para se adaptarem a cada formato de corpo. e de acordo com o blog de Ronaldo Fraga:“ Nesta coleção, as roupas são desenhadas em volumes sombreados na tentativa de transportar do quadro negro para a vida real, personagens de giz. Preto, branco e cinza colorem sedas, linho, lãs e bases de algodão. Cordas e tecidos manipulam conceitos de feio e bonito, eterno e efêmero, improvável e irônico.”

Em sua outra coleção, “Corpo Cru”,de primavera/verão realizada em 2002, o estilista levou para a passarela a idéia de que o corpo foi dar uma volta e deixou suas roupas, que por sua vez se transformaram em "corpo cru". As roupas foram penduradas em cabides que giravam através de uma parafernália e lembravam ganchos de açougues A falta de um corpo nas roupas obrigava as pessoas a imaginarem o caimento das peças e ressaltava o aspecto de conforto, presente em toda a coleção. Além de fazer a todos questionarem a respeito da falta do corpo; que corpo era aquele que faltava? Seria uma crítica? Uma desconstrução aos conceitos construídos pela mídia e pela indústria de consumo?

Ronaldo Fraga cria soluções para seus questionamentos, cria resoluções para suas problemáticas polêmicas que muitas vezes consciente ou inconscientemente coloca nas passarelas. Estilistas como ele, fazem com que mulheres com corpos normais e originais se cultuem através de sua moda, de seu estilo.

Quando colocam sua roupa no corpo percebem um diferencial, algo muda. Através de shapes e estampas criativas que embelezam e serve para qualquer corpo, a diversidade de sua criação permite o encaixe perfeito na diversidade de corpos encontrados e pelo viés da moda costura-se um caminho diferente para se cultuar, se venerar os corpos de cada mulher sem tirar pedaços.

Neste caso a roupa de fato se torna uma segunda pele que reveste a primeira, ou seja, exibe formas e/ou contra-formas; seja escondendo todo o corpo ou mostrando determinadas partes. A roupa se torna segunda pele por ter um diálogo real com a primeira pele, por de fato estar construindo ou reformulando algo junto desta e não apenas por estar revestido este corpo.

Esta análise visual, só é possível por que a moda alternativa tem o que significar, por que existe um conceito fundamental por traz daquilo que parece ser apenas tecido, modelagem e costura: é como uma obra aberta, livre para interpretações. A moda comercial já é apenas o óbvio ali, cravado, existe uma linguagem, porém já é determinada, arbitrária e quase que imposta por quem a consumou. Espera-se apenas o lucro em termos quantitativos ou em termos qualitativos de venda, afinal, têm-se grandes marcas comerciais que são bem caras e destinadas a um público de alta renda, mas também há as pequenas marcas que ganham no sentido quantitativo.

Diante de duas modas, têm-se dois corpos e duas possibilidades de cultuá-los, resta às mulheres brasileiras determinarem a melhor forma de cantarem seu hino à liberdade. E talvez de não se encaixarem em nenhuma categoria, afinal categorias são criadas para facilitar o direcionamento teórico e nem sempre para imporem limites. Cultuando o corpo diverso, pode-se total liberdade e com o culto ao corpo único existe também uma possibilidade de diversidade que fica dependente da escolha que cada um fizer.